"Ensaio Sobre a Cegueira", de José Saramago, é um livro que nos faz enxergar e, muito mais do que isso, nos faz temer a própria humanidade frente a uma situação de caos. A partir de uma súbita e inexplicável epidemia de cegueira, Saramago nos guia para a desorganização e a superação dos valores mais básicos da sociedade, transformando seus personagens em animais egoístas na sua luta pela sobrevivência.
A visão do diretor Fernando Meirelles sobre “Cegueira” (em inglês o título do filme ficou como Blindness), não deixa nada a desejar.
O filme já começa duro, confuso e assustador. Nas primeiras cenas deparamo-nos com o grito de um personagem: "Estou cego". E a maneira como Meirelles nos guia faz com que os acontecimentos passem pela nossa frente com a velocidade exata: vão-se cegando vários personagens sem que possamos dar uma pausa para respirar. E quando finalmente resolvemos parar, percebemos que o autor não deu nome à cidade, não datou os acontecimentos e manteve seus personagens anônimos, conhecidos apenas como "a mulher do médico", "o ladrão de carros", "a moça dos óculos escuros", "o cão das lágrimas". Deixando este relato tão aberto à nossa imaginação, é impossível não temermos uma verdadeira epidemia, imaginarmos como agiriam as autoridades em uma situação como essa, como o medo faria vir à tona os instintos mais escondidos dos homens.
No entanto, entre tantos cegos presos em um manicômio por ordem governamental, existe uma mulher que ainda consegue enxergar. É a esposa do médico, a única que pode ver as belas e horrorosas imagens capturadas pela câmera, seja o lindo banho de chuva na varanda ou os cachorros que devoram o cadáver de um homem na rua. Ela não sabe se é abençoada ou amaldiçoada por poder enxergar em uma terra de cegos.
No livro, Saramago opta pelo anonimato das personagens, como uma maneira de universalizar a experiência, abrangendo todas as pessoas, todos os nomes. Meirelles manteve a mesma linha. Ao fazê-lo somos levados para o universo ficcional e experimentamos a cada cena a dolorosa trajetória das personagens do romance. Ele nos faz lembrar "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam". José Saramago e Fernando Meirelles nos dão aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo milênio, onde a máxima do “cada um por si e Deus por nós” se faz valer a cada segundo. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e do diretor e de cada leitor e cinéfilo (ou não), diante da pressão dos tempos e do que se perdeu: "uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos". E ao fim nos damos conta de que, mesmo sem sermos cegos, não conseguimos enxergar, na maioria das vezes, um palmo diante de nosso próprio nariz, e o que importa na verdade é sermos “um por todos e todos por um”.
Confira mais informações no site oficial do filme:
ensaiosobreacegueirafilme.com.br/
E também no blog do diretor